Que
tal sair por aí recoberto de tinta fosca para que a entidade brilhe? Reflexão,
justiça, direitos e deveres. Diante de inúmeras indagações e insinuações que
tenho recebido como, acredito todos os corinthianos também estejam, em
consequência dos acontecimentos envolvendo a nossa maior paixão: o Corinthians,
sinto que é hora de externar alguns pensamentos.
Primeiro
enfatizo o que a maioria já sabe – sou, sim, membro de Torcida Organizada (para
onde partem quase todas as críticas). E é por aí que começo. Não somente sou
associado como atualmente ocupo a presidência do Conselho Deliberativo do
Grêmio Gaviões da Fiel Torcida. E nesse sentido digo que tenho plena
consciência de que hoje, devido ao nosso gigantismo, algo parece ter se perdido
ao longo dos anos. Sendo assim, reconheço e trabalho com o objetivo de
melhorar. Temos cedido espaço e credibilidade tanto como Torcida Organizada
como Escola de Samba. Para que voltemos a ser aquilo que nos propusemos no dia
1º de julho de 1969 é preciso uma reestruturação geral. Mas tudo isso não é
diferente do que pode acontecer em qualquer instituição, seja ela de que ordem
for. Mesmo reforçando que necessitamos de mudanças, afirmo que o espírito das
pessoas com as quais convivo sob aquele teto não é nem de longe o mesmo que
tantos querem nos atribuir, direcionando-nos à marginalidade.
Dito
isso, falo agora de um aspecto humano, de uma fatalidade ou imprudência que
ocorreu no nosso jogo de estreia pela Taça Libertadores desse ano. Não sou
grande conhecedor das leis, mas digo que sinto na pele a dor que existe dos
dois lados da moeda. Lamento tanto pelos familiares e conterrâneos do garoto
Kevin como pelo associado corinthiano, que ratifico o que já foi tão explorado
pela mídia: o menor não teve a intenção de promover nenhuma atrocidade.
Entretanto,
o fato está aí. O que é feito no sentido de se construir algo novo? Qual a
lição que fica; quais as mudanças que advirão a partir desse episódio? As
decisões, os julgamentos prévios, a punição excessiva da CONMEBOL ao Corinthians...
Não que o clube não tenha responsabilidade sobre sua torcida. Penso que sim. O
clube e a torcida são um só corpo quando estão em campo. Isso não significa
subserviência, muito menos alienação. A torcida tem que saber exatamente
cumprir o seu papel, incentivando, comparecendo e respeitando as normas e os
regulamentos. O clube deve ser o guia dessa relação, afinal, tem a estrutura
profissional para os devidos entendimentos de como precisam se comportar os
seus seguidores. Nesse aspecto, podemos até dizer que estivemos bem perto da
excelência e basta ver o exemplo dado por todos na organização para o Mundial.
Não tenho conhecimento de nenhum incidente de grandes proporções. Olha que foi
gente de tudo quanto é lado, passando por inúmeras conexões, culturas e lugares
diferentes. Os jogos, os deslocamentos... Até a FIFA enviou congratulações ao
Corinthians.
Mas
como tudo que envolve o nome do clube e de sua torcida, a exposição dos
episódios por dias e horas seguidas toma conta da imprensa, das redes sociais e
até dos bate-papos de botequim. Pessoas emitem opiniões – e isso é um direito –
avaliam e condenam de forma unilateral. Recriminam e, às vezes, até parece que
um erro deve ser precedido por outro para se fazer a almejada justiça.
Qualquer
um que tenha o mínimo de consciência do que é uma família, tende a estar
abalado com o evento. Eu estou. Refleti muito sobre isso. Triste pela morte.
Mais triste ainda por conhecer o menor que cometeu a ação e ter a certeza de
que é uma vida que se não tiver o apoio adequado também poderá se perder a
partir de agora. Alguém que trabalha na área da psicologia humana certamente
pode explicar melhor o que estou tentando dizer.
Nessa
ponderação cheguei aos seguintes pensamentos: sugerir ao Corinthians, diante da
elaboração de sua defesa – já negada pela CONMEBOL – que disponibilizasse os
valores arrecadados com as bilheterias durante a competição para a construção
de um projeto social na Bolívia, em Oruru, local onde ocorreu a infortúnio, ou
em Cochabamba, cidade natal de Kevin. Isso mostraria a preocupação do clube de
que realmente estava tentando evitar “erros” ainda mais graves, agora cometido
pela CONMEBOL, que castigou mais de 30 mil pessoas (85 mil se somadas as vendas
dos três jogos iniciais), que já haviam adquirido os ingressos. Acho que a
minha opinião está clara. O Corinthians não brigaria apenas para a anulação do
corretivo, mas estaria encabeçando um ato inédito na história do futebol. Um
momento de dor geraria alento para aquele povo – e aqui não cabe nenhuma
questão política ou econômica, haja vista que temos impasses mal resolvidos com
a Bolívia, caso da “estatização” da Petrobras e da compra do Acre. O
Corinthians, que tão tem prosperado no campo do marketing nos últimos anos, se
tornaria um exemplo a ser copiado. E essa atitude não seria uma confissão de
culpa, já que ninguém em sã consciência praticaria um ato como o protagonizado
durante o jogo contra o San José.
O
outro pensamento, depois de apurado e decidido pela família do menor brasileiro
e pela diretoria dos Gaviões que ele se apresentaria espontaneamente às
autoridades policiais, foi à preocupação daquilo que ainda está por vir na vida
dele. Aí, através do nosso departamento social, temos contatado especialistas
para orientá-lo de volta à sociedade. Confesso que ainda não vi nenhum órgão de
imprensa abordar essa questão.
Com
a punição determinada pela CONMEBOL e com o recurso do Corinthians negado, os
holofotes, mais uma vez, focam nos homens de toga. Em tempos difíceis, os doutores
é que assumem os papéis de craques e aparecem nas mini-coletivas improvisadas
para darem as suas apreciações do que pode ou deve acontecer.
O
Corinthians está proibido por 60 dias, ou enquanto rolar o processo, de contar
com a presença do público em jogos aqui e no exterior que valham pela
Libertadores. Na partida contra o Millonarios, no dia 27 de fevereiro, no
Pacaembu, o castigo já estava valendo. Os torcedores que possuíam entrada se
manifestaram. O clube publicou sua posição e pediu que esperassem a decisão
final do julgamento do pedido de cancelamento da suspensão para a devolução dos
valores pagos ou o direito de trocar por outros jogos. A CONMEBOL negou o
recurso. As torcidas organizadas rapidamente se mobilizaram para que seus
sócios não fossem até o local do jogo. As redes sociais e o próprio Corinthians
instruíram que todos adotassem postura semelhante, atendendo inclusive, pedido
das autoridades de segurança pública.
Tudo
parecia alinhado, porém, um pequeno grupo de torcedores ligados a dirigentes da
atual administração resolveu entrar com pedido de liminar respaldado no Código
do Consumidor e no Estatuto do Torcedor, a fim de assegurar o direito de
comparecer ao jogo (que deveria ocorrer com os portões fechados). A medida
cautelar foi concedida – e aqui prefiro não entrar no mérito nem da decisão do
juiz nem no que motivou os envolvidos a isso, já que como cidadãos eles possuem
tal prerrogativa. Questiono apenas se essa era realmente a melhor maneira de se
comportar para ajudar o clube a seguir na competição. Para ilustrar a situação,
utilizo a frase que certa vez ouvi de Julio de Toledo, conselheiro vitalício
dos Gaviões: “as vezes temos que nos pintar de fosco para que a entidade
brilhe”. É nisso que me apego para não concordar com a atitude descrita acima.
Mesmo com o Corinthians, através de seus advogados, tentando demovê-los da
ideia de entrar no Pacaembu vazio, temendo uma consequência maior, o ato foi
consumado. Não é hora de medir forças. Não é hora de se discutir o direito
pleno de cada um, se o regulamento da competição é mais ou menos que as leis
brasileiras... Claro que não é. Aí me permito fazer a seguinte observação: o
garoto, torcedor apaixonado do Corinthians, cometeu uma imprudência que
acarretou a punição ao clube e atingiu toda a torcida. O adolescente é de
família simples, reside num bairro popular e não tem formação em consagrados
estabelecimentos educacionais. Já os quatro adultos que foram ao estádio, ao
que tudo indica, bem estabelecidos, alguns advogados, todos integrantes do
movimento denominado Corinthianos Obsessivos (COs), fizeram prevalecer seus
direitos enquanto consumidores. Informados sobre as implicações dessa atitude,
ainda assim eles insistiram de que mais importante era manter seus direitos
preservados. Respondam-me: há semelhança ou diferença entre a atitude do menor
e desses que insistiram em ocupar as arquibancadas, fazendo-se mais importantes
que o clube? Não sou advogado, pai de santo ou adivinho, mas tinha a impressão
que a CONMEBOL suspenderia a proibição já para as próximas partidas. Agora
acredito que vão manter como está até o final do processo. Espero que não venha
nenhum agravante, pois se isso acontecer, ficará comprovado que esses
torcedores prejudicaram o clube. Ressalto que o quarteto que democraticamente,
embora com ar de intransigência, adentrou às numeradas do Pacaembu, local onde
fica a maioria desses Corinthianos Obsessivos, nada acrescentou na “função” de
torcedor. Eu estava lá na condição de radialista, e não ouvi um grito sequer.
Apenas observei que um deles manuseava o celular incansavelmente. Outros sequer
se deram ao luxo de retirar o paletó e ostentar o manto corinthiano que traziam
por debaixo das vestimentas corporativas. E olha que não estava frio, nem
garoava.
Tenho
certeza que se fosse dada uma oportunidade ao rapaz de repensar sobre suas
ações, ele certamente não puxaria a trava do sinalizador e assim evitaria a
tragédia. Estranho é que os cidadãos esclarecidos, letrados, com acesso aos
mais diversos meios, como a própria diretoria do clube, solicitados para não
cometerem um ato que poderia prejudicar o clube, taparam os ouvidos.
No
fim, o que vale é mesmo a frase do Julio: “as vezes temos que nos pintar de
fosco para a entidade brilhar!”
Saudações Corinthianas!
Ernesto
Teixeira – A voz da Fiel
Torcedor
corinthiano; sócio, intérprete e compositor da Gaviões (8.005); sócio do
Corinthians (305.216); suplente a conselheiro do Corinthians; idealizador do
Comitê de Preservação da Memória Corinthiana (CPMC); colaborador da Rádio Coringão;
Formado
em Gestão Desportiva e de Lazer pela Faculdade Drummond